STF decide que o valor da condenação não pode ser superior ao dos pedidos em reclamação trabalhista.

20 de maio de 2025
Autor Mário Bessa
Mário é sócio fundador do Coelho Bessa & Peixoto Advogados, responsável pela área de Direito Empresarial, com foco nas áreas de Direito Administrativo, Regulatório e Societário.

Uma recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) abordou tema de grande relevância para o processos trabalhista envolvendo empresas, trazendo maior clareza sobre a aplicação de dispositivo da Reforma Trabalhista. A decisão em questão, proferida na Reclamação Constitucional n° 79.034, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, tratou da interpretação do Artigo 840, § 1º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), alterado pela Lei nº 13.467/2017.

Para entendermos a questão, se faz necessário contextualizar que a Reforma Trabalhista que, ao modificar o artigo 840 da CLT, estabeleceu que a reclamação trabalhista deve determinar e indicar o valor do pedido. O propósito desta alteração foi exatamente o de conferir maior previsibilidade às demandas judiciais trabalhistas de forma que as partes e o juízo soubessem, de fato, o que e quanto estava sendo pedido pelo reclamante, limitando, portanto, eventual condenação ao valor atribuído pelo próprio reclamante a cada item pleiteado.

Contudo, a aplicação prática desse dispositivo gerou divergências interpretativas no âmbito da Justiça do Trabalho. Em muitos casos, prevaleceu o entendimento de que os valores indicados na petição inicial seriam mera “estimativa”, não vinculando o julgador e permitindo que a condenação final superasse os valores originalmente apontados pelo reclamante. Essa interpretação, gerava insegurança jurídica para as empresas, dificultando a gestão do passivo trabalhista.

Precisamente neste cenário é que a Reclamação Constitucional n° 79.034 foi ajuizada pelo Itaú Unibanco S/A contra uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que, ao analisar um Recurso de Revista, manteve o entendimento de que os valores atribuídos aos pedidos na petição inicial seriam meras estimativas, não limitando a condenação. O Banco Itaú argumentou que essa decisão, ao afastar a aplicação do Artigo 840, § 1º, da CLT sem declarar sua inconstitucionalidade, violou a Súmula Vinculante nº 10 do STF e a “cláusula de reserva de plenário” prevista no Artigo 97 da Constituição Federal.

A Súmula Vinculante nº 10 estabelece que: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.”

O Artigo 97 da Constituição Federal, determina que a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo por um tribunal somente pode ocorrer pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos integrantes do respectivo órgão especial.

Ao analisar o caso, o Ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, verificou que a decisão do TST, proferida por um órgão fracionário (uma Turma), de fato afastou a aplicação do Artigo 840, § 1º, da CLT. O TST fundamentou seu entendimento na Instrução Normativa nº 41/2018 e em princípios constitucionais, como o amplo acesso à jurisdição, a dignidade da pessoa humana e a proteção social do trabalho.

“Ou seja, sob o pálio da argumentação constitucional da aplicação dos princípios da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF), dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e proteção social do trabalho (art. 1º, IV, da CF), afastou a incidência do art. 840, § 1º, da CLT, especialmente naquilo que expressamente modificado pelo legislador com a edição da Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, isto é, na parte em que expressamente consignado o dever do autor de formular pedido ‘que deverá ser certo, determinado e com indicação de seu valor’.”

O Ministro Relator concluiu que, ao interpretar o Artigo 840, § 1º, da CLT de forma a esvaziar seu conteúdo normativo e afastar a limitação da condenação aos valores indicados na inicial, o órgão fracionário do TST realizou, na prática, um controle de constitucionalidade (ainda que de forma implícita ou por meio de interpretação conforme a Constituição) sem observar a cláusula de reserva de plenário.

O Ministro Relator concluiu que, ao interpretar o Artigo 840, § 1º, da CLT de forma a esvaziar seu conteúdo normativo e afastar a limitação da condenação aos valores indicados na inicial, o órgão fracionário do TST realizou, na prática, um controle de constitucionalidade (ainda que de forma implícita ou por meio de interpretação conforme a Constituição) sem observar a cláusula de reserva de plenário.

Diante dessa violação à Súmula Vinculante nº 10, o Ministro Alexandre de Moraes julgou procedente a Reclamação, cassando a decisão do TST e determinando que outra seja proferida em conformidade com os parâmetros da Súmula Vinculante nº 10.

A decisão do STF na RCL 79.034 se torna um caso de grande relevância, reforçando a validade e a eficácia do Artigo 840, § 1º, da CLT, na redação dada pela Reforma Trabalhista. Ao cassar a decisão do TST que considerou os valores dos pedidos como mera estimativa, o STF sinaliza que a exigência legal de indicação do valor do pedido deve ser observada, e que a condenação deve, em regra, limitar-se a esses valores.

Para as empresas, este entendimento representa um avanço significativo em termos de segurança jurídica e previsibilidade, sendo um importante precedente para a matéria e estabilizando a jurisprudência sobre o assunto. A partir de agora, a indicação do valor na petição inicial tende a ser um balizador mais firme para o potencial passivo trabalhista, permitindo uma análise de risco mais precisa e subsidiando de forma mais eficaz as estratégias de defesa e negociação.

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