Entendendo o legítimo interesse sob a luz da LGPD e o novo guia da ANPD 

12 de março de 2024
Autor André Peixoto
Advogado. Mestre em Direito Constitucional Privado. Pós-Graduado em Direito Empresarial. Professor de Pós-graduação em Direito Digital. Especializado em Privacidade e Proteção de Dados Pessoais. 'Data Protection Officer' (CDPO/CIPM/LGPD) certificado pela International Association of Privacy Professionals (IAPP). Autor do livro “A Responsabilidade Civil das Redes Sociais Eletrônicas por Dano à Privacidade”.

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) lançou recentemente um guia sobre o legítimo interesse, conforme previsto na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), Lei Federal nº 13.709/2018. Este guia esclarece a aplicação prática dessa base legal para o tratamento de dados pessoais, proporcionando às empresas e demais agentes de tratamento uma orientação valiosa para a conformidade com a legislação. 

O legítimo interesse, conforme delineado no artigo 7º, inciso IX, da LGPD, permite o tratamento de dados pessoais (não sensíveis) quando necessário para satisfazer os interesses legítimos do controlador ou de terceiros. Entretanto, isso só é permitido desde que tais interesses não infrinjam os direitos e liberdades fundamentais dos titulares dos dados que requerem a proteção desses dados. 

A ANPD sublinha que a invocação do legítimo interesse deve ser precedida por uma análise criteriosa e fundamentada, específica para cada caso, para avaliar se o tratamento de dados sob esta base legal atende aos requisitos estabelecidos na legislação. Essa avaliação deve garantir que os direitos e liberdades dos titulares dos dados não sejam indevidamente prejudicados. 

Essa avaliação é feito por meio de um “Teste de Balanceamento”, também conhecido como “LIA (Legitimate Interests Assessment)”, cujo modelo simplificado também consta na publicação da ANPD (veja em: https://www.gov.br/anpd/pt-br/documentos-e-publicacoes/guia_legitimo_interesse.pdf). 

O Modelo de Teste Simplificado –

Teste de Balanceamento, presente no Anexo 2 do Guia da ANPD, oferece um método para ajudar as organizações a avaliar se o tratamento de dados com base no legítimo interesse é adequado. Esse modelo não é obrigatório, mas sugere uma metodologia para que as organizações possam realizar uma análise de balanceamento de interesses versus os direitos e liberdades dos titulares dos dados.  

No Guia da ANPD sobre o Legítimo Interesse, o Teste de Balanceamento é descrito como uma etapa crucial no processo de decisão sobre a utilização do legítimo interesse como base legal para o tratamento de dados pessoais. O teste é uma ferramenta de avaliação de proporcionalidade que deve ser conduzida considerando o contexto e as circunstâncias específicas do tratamento de dados. Ele deve balancear os interesses do controlador ou de terceiros contra os direitos e liberdades fundamentais dos titulares dos dados. 

O processo do Teste de Balanceamento envolve várias etapas: 

Finalidade:

Verificação da natureza dos dados pessoais e identificação do interesse que justifica o tratamento, avaliando sua legitimidade. É importante notar que o legítimo interesse não se aplica ao tratamento de dados pessoais sensíveis. Além disso, no caso de dados de crianças e adolescentes, devem ser consideradas medidas específicas para garantir o melhor interesse dos menores. 

Necessidade:

Avaliação da necessidade do tratamento de dados para a finalidade identificada, levando em consideração se é possível alcançar os mesmos objetivos através de meios menos intrusivos. 

Balanceamento e Salvaguardas:

Ponderação entre os interesses do controlador ou de terceiros e os direitos e liberdades dos titulares dos dados. Esta etapa exige uma avaliação do risco potencial e dos impactos sobre os titulares dos dados e deve levar em conta as salvaguardas que podem ser implementadas para minimizar esses impactos. 

O Teste de Balanceamento não é apenas um requisito legal, mas também uma boa prática que ajuda a demonstrar conformidade com os princípios de responsabilização e transparência da LGPD. O registro do teste fornece evidências de que foram tomadas medidas adequadas para garantir que o tratamento de dados é proporcional, necessário e alinhado com os interesses legítimos avaliados. 

O guia é um recurso crucial para empresários e profissionais de privacidade e proteção de dados, pois detalha não apenas a definição e os limites do legítimo interesse, mas também orienta sobre sua aplicação prática, incluindo no setor público. Ao compreender e aplicar corretamente as diretrizes da ANPD, as empresas podem assegurar o tratamento de dados de forma responsável e em conformidade com a LGPD​.

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