Dançando valsa em um tabuleiro de xadrez: Os desafios de empreender no Brasil

3 de janeiro de 2024
Autor Mário Bessa
Mário é sócio fundador do Coelho Bessa & Peixoto Advogados, responsável pela área de Direito Empresarial, com foco nas áreas de Direito Administrativo, Regulatório e Societário.

Certa vez, Tom Jobim disse: “o Brasil não é para amadores”. E, de fato, não é. O maestro da Bossa Nova acabou criando uma frase que se tornou emblemática para descrever os desafios de empreender no Brasil.

Aplicando o pensamento de Jobim ao universo dos negócios brasileiros, percebe-se rapidamente que empreender no Brasil é um exercício de resistência e adaptação constantes. É como percorrer uma trilha na qual a paisagem se altera de maneira abrupta e imprevisível, como se o mapa fosse redesenhado durante a jornada, influenciado pelas frequentes mudanças legislativas. 

A previsibilidade das leis no Brasil não se assemelha a um samba de uma nota só, mestre Tom. Está mais para dançar uma valsa em um tabuleiro de xadrez, onde cada movimento é cuidadosamente planejado, mas a música (as leis) muda conforme as vontades da orquestra (o governo). 

A Medida Provisória n.° 1202/2023, publicada nas últimas horas do ano de 2023, especificamente em 28 de dezembro, materializa este cenário volátil trazendo os desafios de empreender no Brasil.

Desde 2021, por meio da Lei n.° 14.148/2021, as empresas do trade turístico, incluindo restaurantes, bares, barracas de praia, buffets e afins (severamente impactadas pela pandemia de Covid-19), foram contempladas com a aplicação de alíquota zero de tributos federais, desde que optantes pelo regime de lucro presumido do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica. Este benefício fiscal, conhecido como PERSE (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), estava previsto para durar 5 anos, visando à recuperação desses negócios e ao incentivo ao seu desenvolvimento. 

Foi neste contexto que as empresas do setor realizaram seus planejamentos estratégicos anuais, contando com o apoio de contadores, advogados, administradores e outros profissionais. Estes se basearam no cenário estabelecido pelas isenções fiscais de 5 anos, conforme originalmente previsto na Lei 14.148/2021. 

Contudo, em 28 de dezembro, em pleno foco das vendas e eventos de final de ano e às vésperas das férias de janeiro — período de intensa atividade para todo o trade turístico —, foi editada a MP 1202, revogando o benefício fiscal com efeitos a partir do dia 1º de abril subsequente. 

Os principais desafios de empreender no Brasil diante de tais alterações legislativas são a insegurança jurídica. Em especial por já haver a perspectiva de que a MP seja questionada no Poder Judiciário, mais uma camada de problemas, com um nível perturbador de insegurança jurídica. Essas ações contestariam a alteração de uma lei que garantia um prazo determinado de vigência para uma política pública — neste caso, de incentivos a setores relacionados ao turismo, incluindo a gastronomia —, por uma medida provisória. 

As empresas se deparam com um planejamento financeiro e estratégico que subitamente se torna obsoleto. Benefícios fiscais considerados na projeção de custos e margens de lucro para o próximo ano são revogados, causando um efeito cascata nas finanças e operações das empresas. 

Além disso, há um impacto significativo no fluxo de caixa. A revogação dos benefícios fiscais, como os previstos na Lei 14.148/2021, resulta em um aumento dos tributos a serem recolhidos. Recursos que poderiam ser alocados para investimentos, melhorias, expansão ou mesmo manutenção do negócio agora devem ser destinados ao pagamento de impostos. No setor de alimentação, que já lida com margens reduzidas devido à alta competitividade e aos custos variáveis, os efeitos são ainda mais severos. 

A divulgação de uma MP no fim do ano limita o tempo das empresas para absorver as novas regras e implementar as mudanças necessárias, forçando ajustes emergenciais no orçamento, reavaliação de preços e renegociação de contratos com fornecedores, entre outras medidas, tudo por conta da instabilidade criada, que desencoraja novos investimentos e, por consequência, afetando o crescimento econômico. 

Por fim, a capacidade de se adaptar ao novo cenário demanda conhecimento técnico e, muitas vezes, suporte jurídico externo, representando um custo adicional, especialmente para pequenas e médias empresas. Entender as implicações legais, fiscais e operacionais da MP e se adaptar rapidamente é um teste de resiliência que nem todas as empresas estão preparadas para enfrentar. 

Em poucas palavras, a MP 1202/2023 exemplifica como mudanças abruptas nas normas podem impactar negativamente o ambiente de negócios no Brasil. A falta de previsibilidade e as alterações de última hora impõem desafios que transcendem a gestão cotidiana, afetando a estratégia, o planejamento e a sustentabilidade de longo prazo das empresas no país. 

Em resumo, a MP 1202/2023 é mais uma dissonância que desafia a harmonia do planejamento empresarial e prova que o mestre Jobim estava absolutamente correto. O Brasil, de fato, não é para amadores. 

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