O Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE), instituído pela Lei nº 14.148/2021, representou um grande instrumento para a recuperação de um dos setores mais impactados pela pandemia de COVID-19: o setor de entretenimento, que compreende bares, restaurantes, hotelaria e afins.
Contudo, recente atualização legislativa e atos da Receita Federal do Brasil têm gerado incertezas quanto à sua continuidade, demandando uma análise jurídica aprofundada, despertando atenção e apreensão das empresas vinculadas ao setor de entretenimento.
O PERSE: Contexto e Benefícios
O PERSE surgiu em um contexto de severas restrições impostas ao setor de eventos (nele incluídos restaurantes e similares, bem como hotelaria) decorrentes da necessidade de distanciamento social imposto pela pandemia de COVID-19, ainda no ano de 2020. Visando “criar condições para que o setor de eventos possa mitigar as perdas oriundas do estado de calamidade reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020” (Art. 2º da Lei nº 14.148/2021).
A Lei nº 14.148/2021, em seu artigo 4º, concedeu um benefício fiscal substancial ao setor, reduzindo a 0% (zero por cento) as alíquotas dos tributos incidentes sobre o “resultado auferido” pelas pessoas jurídicas contempladas, nomeadamente IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, pelo prazo de 60 (sessenta) meses. Este benefício representou um alívio tributário significativo, permitindo que as empresas do setor reinvestissem recursos e mantivessem suas operações.
A elegibilidade ao PERSE estava condicionada à classificação das atividades empresariais nos CNAEs (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) especificados na legislação e cadastro da empresa no Ministério do Turismo. A conformidade com esses CNAEs era um requisito essencial para o gozo do benefício fiscal.
Alterações Legislativas, Extinção e a “Reforma do PERSE”
Após um período de revogação (por meio de Medida Provisória) e intensas discussões, o PERSE foi reformado e retomado com a publicação da Lei nº 14.859/2024. No entanto, essa retomada veio acompanhada de novas exigências e limitações às empresas.
O Art. 4º-A da Lei nº 14.859/2024 estabeleceu um “custo fiscal de gasto tributário” fixado em R$ 15.000.000.000,00 (quinze bilhões de reais) para o período de abril de 2024 a dezembro de 2026. Diferente da redação original da lei, que não impunha nenhum limite de valores.
A nova lei determinou que a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB) demonstrasse esse custo fiscal em relatórios bimestrais de acompanhamento, contendo os valores da redução dos tributos das pessoas jurídicas habilitadas, com desagregação dos valores por item da CNAE e por forma de apuração da base de cálculo do IRPJ.
Além disso, a lei previu que o benefício fiscal seria extinto a partir do mês subsequente àquele em que fosse demonstrado pelo Poder Executivo, em audiência pública do Congresso Nacional, que o custo fiscal acumulado atingiu o limite fixado.
Essa condição resolutória introduziu uma incerteza considerável, uma vez que a continuidade do benefício fiscal passou a depender do atingimento do teto de gasto tributário, conforme apurado e divulgado pela RFB.
O Ato Declaratório Executivo RFB nº 2/2025 e a Extinção Antecipada do Benefício
Em 21 de março de 2025, a Receita Federal do Brasil (RFB) editou o Ato Declaratório Executivo nº 2, comunicando o encerramento abrupto do benefício fiscal do PERSE a partir de 1º de abril de 2025.
Essa medida surpreendeu os contribuintes, que passaram a se submeter integralmente aos recolhimentos mensais de PIS e COFINS, bem como trimestrais de IRPJ e CSLL.
Fundamentos Jurídicos para Questionar a Extinção
A extinção antecipada do PERSE levanta questões jurídicas relevantes, que podem ser exploradas em defesa dos contribuintes para tentarem a manutenção do benefício:
Ilegalidade Formal: A Lei nº 14.859/2024 estabeleceu que o benefício fiscal seria extinto a partir do mês subsequente àquele em que fosse demonstrado, em audiência pública no Congresso Nacional, que o custo fiscal acumulado atingiu o limite de R$ 15 bilhões. Entretanto, os requisitos formais da lei não foram cumpridos.
Violação aos Princípios da Anterioridade: A Constituição Federal, em seu artigo 150, inciso III, alíneas “b” e “c”, estabelece os princípios da anterioridade anual (para o IRPJ) e nonagesimal (para PIS, COFINS e CSLL). A extinção imediata do PERSE pode ser questionada sob a alegação de que representa uma majoração indireta de tributos.
O Mandado de Segurança como Instrumento de Defesa
Diante desse cenário, o mandado de segurança surge como um instrumento jurídico adequado para questionar a legalidade da extinção do PERSE e garantir a manutenção do benefício fiscal, tendo em vista os custos com o processo (custas processuais são baixas e não existem honorários advocatícios em caso de sucumbência – perda do processo).
É importante destacar que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem reconhecido que a revogação de benefícios fiscais se equipara à majoração indireta de tributos, devendo observar os limites constitucionais ao poder de tributar.
Conclusão
A extinção do PERSE representa um desafio para as empresas do setor de eventos, mas também uma oportunidade para buscar a defesa de seus direitos por meio do poder judiciário.
Uma análise jurídica detalhada do cenário legal e a apresentação de argumentos sólidos podem garantir, por meio de ação judicial, a manutenção do benefício fiscal e a segurança jurídica necessária para o desempenho das atividades sem a surpresa de, no primeiro trimestre do ano, sua empresa ser atingida por recolhimento não programado de impostos federais, que impacta em custos e preços de forma significativa e corroendo todo um planejamento do negócio para o ano de 2025.
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