O urso e a vigilância sanitária: Quando a ficção se parece (demais) com a realidade brasileira

6 de maio de 2024
Autor Mário Bessa
Mário é sócio fundador do Coelho Bessa & Peixoto Advogados, responsável pela área de Direito Empresarial, com foco nas áreas de Direito Administrativo, Regulatório e Societário.

Na ficção da série O Urso (no original The Bear, série do canal FX e em exibição no streaming Star+), acompanhamos o funcionamento do restaurante The Beef, localizado em algum ponto de Chicago, nos Estados Unidos. 

As dificuldades de gestão e produção, relacionamento entre sócios e colaboradores, atendimento aos clientes, são algumas das situações muito bem retratadas na série, que, certamente, poderia ser contextualizada para o Brasil, em especial quando assistimos ao 2º episódio da série, quando (sem spoiler), o The Beef recebe uma visita da vigilância sanitária. 

Como disse, a série, que captura a essência crua e crua da vida na cozinha de um estabelecimento e este 2º episódio nos convida a refletir sobre nossa própria selva de normas sanitárias. Aqui, em terras brasileiras, os chefes de cozinha e proprietários de restaurantes enfrentam uma receita bem complexa: manter-se em conformidade com a vigilância sanitária, com sua infinidade de normas.

G.K. Chesterton, o príncipe dos paradoxos, certamente encontraria humor na nossa situação. Ele poderia argumentar que é preciso uma dose de caos para dar valor à ordem e uma pitada de complexidade para apreciar a simplicidade. 

Assim, enquanto assistimos a equipe de cozinha capitaneada por Carmy, o chef do estabelecimento, para atender às exigências de uma fiscal, não podemos deixar de sorrir ao reconhecer nossos próprios malabarismos frente às regulamentações da ANVISA, com a RDC 216/2004, e as nuances adicionais das legislações municipais, que impõem aos estabelecimentos, alvarás, licenças, certificados de Bombeiros, certificados de inspeção predial, placas de esclarecimentos aos clientes, enfim, uma quantidade verdadeiramente absurda de exigências.

Cada normativa aparece como um ingrediente que deve ser adicionado com precisão ao tempero, sob pena de arruinar todo o prato. E em Fortaleza, esses ingredientes ganham um sabor local, um toque de exigência que pode tanto elevar o estabelecimento a patamares de excelência quanto, se mal administrado, levar a uma indigestão burocrática (desculpem, mas a vezes é difícil não usar um trocadilho).

Os donos de restaurantes bem sucedidos são, em verdade, artistas tanto na gastronomia quanto no gerenciamento de seus negócios, na medida em que, para bem administrar, precisam não só do bom conhecimento culinário, mas de uma atenção extra na gestão do negócio, com investimentos em infraestrutura, treinamento de pessoal e processos internos dentre diversas outras preocupações que, se bem executadas, levarão o negócio à prosperidade.

A solução para essa complexa receita de conformidade legal pode ser encontrada nasassessorias especializadas, incluindo nutricional, contábil, de licenças e jurídica, de preferência especializadas no setor de refeições fora do lar.

Voltando a Chesterton, e usando O Urso como inspiração, é no turbilhão de regras e no rigor da execução que nasce a verdadeira excelência de um negócio gastronômico. É na intersecção entre o amor pela culinária e o respeito pelas normas que se desenvolve um estabelecimento próspero, que mantém os clientes voltando. 

Para finalizar, e caso esta crônica chegue a alguém do poder público fortalezense, fica o clamor de que, ao se editar regras, propor leis e criar novas exigências para o setor, antes de mais nada, escutem o empresariado. Que é quem sofre na prática com a implementação de regras, carcando com todos os ônus impostos pelo poder público. Não só gastos financeiros, mas de tempo, de treinamentos, de contratações e por aí vai.

Artigo publicado através do Blog “Achou Gastronomia”

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Nova Regulamentação de DPO: O Essencial para Empresas

Nova Regulamentação de DPO: O Essencial para Empresas

A figura do ‘Encarregado pelo Tratamento de Dados Pessoais’ (também conhecido como DPO - Data Protection Officer) costuma despertar certo estranhamento num primeiro contato com as normas de proteção de dados. É que, diferentemente do ‘Controlador’ e do ‘Titular’ - que...

Orientações para os médicos oftalmologistas

Orientações para os médicos oftalmologistas

No último dia 11 de março de 2024 entrou em vigor a Resolução n° 2336/2023 do Conselho Federal de Medicina (CFM) que estabelece novas regras para a publicidade médica em todo o Brasil. Conhecer as novas normas fixadas pelo CFM torna-se essencial para que os médicos...

A Nova Lei do PERSE

A Nova Lei do PERSE

Quem vem acompanhando a leitura desta coluna pode imaginar que estou sendo repetitivo ao tratar das mudanças súbitas na legislação brasileira, mas, dada a relevância do tema, precisamos conversar sobre mais uma alteração na lei do PERSE, o Programa Emergencial de...

Reforma Tributária – 2023

Reforma Tributária – 2023

A Reforma Tributária, aprovada na Câmara dos Deputados no último dia 07/07 por meio de Proposta de Emenda Constitucional n° 45/2023, ainda seguirá para o Senado, mas já apresenta uma base de como devem ficar as modificações. Nesta primeira etapa, o foco está nos...