Em 1966, os Beatles lançaram a canção “Taxman”, uma crítica mordaz à alta carga tributária imposta pelo governo britânico sobre os rendimentos da banda. O “Taxman” do título, que é o fiscal ou cobrador de impostos, canta a música toda em primeira pessoa, dirigindo-se ao contribuinte.
George Harrison, o compositor, expressou seu descontentamento com o fato de que o fisco britânico levava, sem nenhum esforço, uma significativa fatia de seus ganhos, tudo através de impostos.
Logo no começo da canção, ele nos diz:
“Deixe-me lhe dizer como será
Um para você, dezenove para mim,
Porque eu sou o fiscal,
Eu sou o fiscal,
Se cinco por cento parecerem muito pouco
Seja grato por eu não ficar com tudo”
Quase seis décadas depois, o Estado do Ceará apresenta sua própria versão do “Taxman” com a promulgação da Lei Nº 18.665* (publicada no diário oficial do Estado em 28 de dezembro de 2023), que, seguindo a linha da música, apresenta ao contribuinte inovações tributárias aprovadas de forma apressada, no encerrar do ano de 2023, e sem o debate necessário para um tema tão relevante e que impacta na vida de todos os cearenses, sem exceção.
A nova lei visa implementar alterações na antiga lei do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), a saber, a Lei 12.670/1996. Até aí, um argumento absolutamente importante, tendo em vista as significativas mudanças sociaise tecnológicas ao longo de quase três décadas. O motivo principal é louvável.
No entanto, a norma levanta preocupações quanto à transparência das normas tributárias, especialmente na aprovação de mudanças profundas, como na majoração do ICMS modal, que agora terá alíquota de 20% (antes eram 18%).
A nova lei surgiu a partir da Mensagem nº 9.170/2023 do Governador Estado do Ceará, encaminhada para a Assembleia Legislativa do Ceará em 19/12/2023, quase na véspera de Natal, o que, por si só, inviabilizou o debate entre deputados e, mais importante, com a sociedade civil, sem que houvesse uma audiência pública sequer para tratar do tema. Entre a data da Mensagem encaminhada para a a Assembleia (19/12) e o dia 28/12, a lei foi analisada, votada e aprovada. Entre essas datas temos um final de semana e o feriado de Natal. Outro detalhe: a nova norma, que tem 198 artigos, além de seu anexo único, teve 106 emendas rejeitadas e 3 aprovadas, o que demonstra a imposição de uma tramitação rápida (e desproporcional à importância do tema) ao então projeto de lei.
É certo que, em alguns pontos, tivemos avanços nas normas, com atualizações importantes, como a isenção de energia para o miniprodutor rural, residencial de até 50kwh por mês e ao consumidor de baixa renda (51 a 140Kwh). A lei também revisa os itens que compõem a cesta básica, além de outras atualizações necessárias devido à evolução dos tempos.
No entanto, se por um lado tivemos implementos necessários, por outro, surgiram novidades na linha do “Taxman”. Retomando a letra:
“Se você dirigir um carro
Eu cobrarei pela rua
Se você tentar sentar
Eu cobrarei pelo assento
Se você ficar com frio
Eu cobrarei pelo calor
Se você der um passeio
Eu cobrarei pelos passos”
Os instrumentos de fiscalização e penalização para os acordes dissonantes da evasão fiscal, as presunções de omissão de receitas e a ampliação das hipóteses de infração e penalidades são pontos preocupantes, pois, embora aumentem o controle sobre a sonegação fiscal, podem soar como cobranças excessivas ao contribuinte.
As penalidades em si também implicam mudanças excessivas e questionáveis, como, por exemplo, em relação aos Livros Fiscais:
- Em caso de inexistência ou extravio de qualquer livro fiscal ou contábil, a multa aumentou de 600 ou 800 UFIRCEs (R$ 3.444,00 a 4.592,00) para 5.000 UFIRCEs (R$ 28.700,00);
- Em caso de informar Livro de Registro de Inventário zerado ou com valores discordantes do auditor fiscal: a multa foi aumentada de 1.200 UFIRCEs (R$ 6.888,00) para o mínimo de 10.000 UFIRCEs e máximo de 400.000 UFIRCEs (R$ 57.400 mil a R$ 2.296.000,00).
Embora as multas tenham a finalidade de punir condutas irregulares de empresas, elas não podem inviabilizar a existência das mesmas. O aumento das multas, conforme indicado pela nova lei, pode deixar as empresas infratoras em evidente dificuldade financeira.
Não estou aqui para defender a ausência de penalidades para empresas que ajam em desacordo com a legislação. Pelo contrário, as penas devem existir. No entanto, devem ser aplicadas de forma moderada e adequada à infração cometida.
Portanto, ao se aprovar uma norma com repercussões como as indicadas (e há várias outras, pois é uma norma de 198 artigos), na véspera de Natal e sem debate com a sociedade civil, vemos uma atuação do fiscal nos moldes previstos em 1966 por George Harrison e os Beatles.
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