Negociado sobre o Legislado: uma análise jurídica da decisão do STF sobre o Tema 1046.

2 de outubro de 2023
Autor Cícero Alcântara
Responsável pela área trabalhista, como foco na prevenção de litígios e no contencioso administrativo e trabalhista. Graduado pela Universidade de Fortaleza com pós-graduação em Direito e Processo do Trabalho e Direito Previdenciário pelo Centro Universitário Estácio.

O Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu decisão de grande relevância para o meio corporativo e as relações trabalhistas, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.121.633. O presente artigo tem o objetivo de esclarecer, sob uma perspectiva jurídica, mas didática, o impacto e as nuances dessa decisão.

Contextualização

O referido Recurso, originário do Estado de Goiás, abordou a constitucionalidade de disposições contidas em Acordos ou em Convenções Coletivas de Trabalho, frente ao previsto na legislação trabalhista, quando referente a direitos não resguardados constitucionalmente. Em síntese, a Tese firmada pelo STF foi a de que “São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, considerando a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis.”

Implicações do Julgamento

 A decisão do STF foi proferida sob a sistemática da Repercussão Geral, trazendo implicações de caráter vinculante para todos os processos judiciais que tratam sobre o tema no território nacional. Em termos práticos, representa um marco para as relações trabalhistas, reforçando o protagonismo das negociações coletivas e reduzindo a insegurança jurídica que pairava sobre as negociações coletivas, quanto aos limites das mesmas.

O caso paradigma envolveu uma empresa de mineração e abordou a questão do não pagamento de horas in itinere (tempo de deslocamento), previsto em norma coletiva, cláusula anulada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). Com a nova decisão do STF, as convenções coletivas que eventualmente restringem ou suprimam direitos trabalhistas não resguardados pela Constituição Federal ganham respaldo e prevalecem sobre a lei.

Valorização da Autonomia Coletiva

A decisão fortalece o papel dos sindicatos nas negociações (conforme art. 8º, III, CF/88), mitigando a clássica ideia de hipossuficiência dos trabalhadores nas negociações que envolvam a participação da entidade laboral. Assim, a autonomia privada coletiva é valorizada, possibilitando adaptações às peculiaridades de cada setor.

Repercussões em outros casos: Ação Civil Pública movida pelo SINDIREST/CE

A Ação Civil Pública n.º 0001154-09.2014.5.07.0013, movida pelo Sindicato de Bares e Restaurantes do Ceará (SINDIREST/CE), serve como exemplo da relevância da decisão. A Ação, que discute a legalidade da Cláusula sobre o Repouso Semanal Remunerado, pode ser diretamente impactada, trazendo uma perspectiva de maior segurança jurídica para empresas e trabalhadores do segmento.

Considerações Finais

O julgamento do Tema 1046 pelo STF consolida uma visão mais flexível e adaptável das relações trabalhistas, primando pelo equilíbrio entre a proteção do trabalhador e as necessidades dinâmicas do mercado. Para os operadores do direito e gestores empresariais, a decisão oferece uma nova diretriz interpretativa, enfatizando a valorização da negociação coletiva e garantindo maior segurança nas relações entre empregados e empregadores.

Cícero Alcântara
Advogado Trabalhista – CBP Advogados

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